Os últimos 25 anos foram marcados por um reconhecimento crescente do caráter incorporado, contextualizado, estendido e enativo do envolvimento humano com a música. Impulsionadas por uma maior consciência de novas perspetivas teóricas (cognição 4E, teoria ecológica, cognição distribuída) e, ao mesmo tempo, contribuindo para essas mesmas perspetivas, algumas abordagens mais recentes na psicologia da música têm vindo a afastar-se da centralização da cognição no cérebro, dando lugar a perspetivas que a enquadram num sentido mais distribuído, dinâmico e orientado para os processos. Inspirado pela estrutura em rede dos micélios fúngicos, o antropólogo Tim Ingold tem vindo a defender que se olhe para a relação que é estabelecida entre os organismos e o ambiente que os circunda a partir da ideia de filamentos, ao invés de bolhas fechadas em si mesmas. O argumento é forte e tem consequências para o enquadramento da prática musical a partir de uma perspetiva ecológica. Nesta palestra, abordarei dois aspetos de uma ecologia musical baseada na ideia de filamento, partindo do que escrevi anteriormente sobre ecologia da escuta (Clarke 2005) e, mais recentemente, sobre criatividade (Clarke & Doffman 2017), criatividade distribuída na prática musical contemporânea; e música e subjetividade. Com a ideia em mente da caracterização singular feita por Howard Becker (1989) sobre a arte como "algo que as pessoas fazem juntas", considerarei os benefícios de uma perspetiva que, ao contrário de se centrar na ideia de “indivíduos (bolhas) que precisam de se unir”, se foca no fluxo de materiais, práticas e histórias (filamentos) que se manifestam como pessoas, instrumentos e instituições. Paralelamente, com base em entrevistas realizadas com diversos músicos, revisitarei certas questões que têm vindo a persistir sobre música e subjectivização (o devir do sujeito na música), num momento em que as circunstâncias pandémicas restringiram severamente, ou alteraram significativame
Esta conferência considerará criticamente as evidências que demonstram a extensão do poder da música historicamente em diversos contextos e na nossa vida quotidiana. Fornecerá exemplos de pesquisas, revisões e metanálises recentes ao nível da neurociência, psicologia, sociologia e educação, incluindo aquelas que respeitam à forma como a música pode fomentar as capacidades intelectuais, como por exemplo o processamento auditivo e linguagem, a consciência fonológica, a alfabetização, o raciocínio espacial, a matemática, a memória auditiva e visual, o funcionamento cognitivo estrutural, a inteligência, a criatividade e as capacidades humanas em geral. Será apresentado um modelo que estabelece os fatores que determinam a forma através da qual a música pode potenciar ou dificultar o “estudar” ou outras tarefas cognitivas. A conferência explorará ainda a forma como a música pode desempenhar um papel no desenvolvimento pessoal, incluindo o modo como pode incrementar ou diminuir a autoestima, e influenciar a construção da identidade. Demonstrar-se-á como a música tem sido usada para envolver e motivar aqueles que se encontram mais vulneráveis, incluindo aqueles que se encontram em contextos de reclusão (juvenil ou adulta). O poder da música será discutido em termos de desenvolvimento de competências sociais, empatia, comportamento pró-social, bem como a promoção da coesão social em grupos dos mais variados tamanhos e idades, e do papel na inclusão daqueles que são marginalizados. Considerar-se-á o modo como a música, em parte devido à sua fácil acessibilidade, é cada vez mais usada pelos indivíduos para melhorar o seu bem-estar e tornar mais atrativas aquelas tarefas quotidianas que, por si mesmas, podem ser desinteressantes. Seguir-se-á uma discussão sobre os modos como a música tem sido utilizada numa ampla gama de contextos de saúde para promover o controlo da dor, reduzir o stresse, melhorar a mobilidade, a comunicação e a recuperação de graves problemas de saúde física e mental. Os exemplos específicos mencionados serão extraídos de todas as faixas etárias, desde o nascimento até à morte. Concluir-se-á com exemplos de como a música pode impactar no comportamento de espécies não humanas e estimular o florescimento das plantas.
Muito se tem falado sobre o poder da música para influenciar aspetos não musicais da experiência humana. A minha apresentação concentrar-se-á, por um lado nas ligações entre as emoções e as capacidades cognitivas e, por outro, na questão do papel causal atribuído à música nessas associações, o que depende se esta “música” se refere à escuta, a aulas, competência ou performance. Ouvir música de forma passiva influencia o modo como nos sentimos o que, por sua vez, pode influenciar o desempenho numa variedade de tarefas e a resposta a estímulos adversos, embora esses efeitos tendam a ser de muito curto prazo. Além disso, ouvir música enquanto se faz outra coisa ao mesmo tempo, como ler ou estudar, pode distrair e influenciar negativamente a compreensão do que lemos e do que nos recordamos. Ter aulas de música está associado a variáveis demográficas, de personalidade e cognitivas, que parecem determinar quem tem aulas e por quanto tempo. Em contraste, o papel causal da formação musical nessas associações parece ser pequeno ou inexistente na população em geral. Para indivíduos com desenvolvimento atípico, as intervenções especializadas podem ter um papel benéfico na aquisição da linguagem e capacidade de leitura. Embora a competência musical seja tipicamente considerada como uma consequência da aprendizagem por meio da exposição formal e informal à música, recentemente têm surgido evidências que reforçam o papel substancial da genética e da competência musical “natural”, ou aptidão musical. Assim, as ligações entre competências musicais e competências não musicais podem originar-se principalmente a partir de predisposições em termos de cognição ou personalidade. A performance musical, seja profissionalmente ou em contexto de grupo, é diferente da aprendizagem formal, especialmente nas aulas de música individuais. Em contextos de grupo, como cantar em coros, tocar em bandas ou simplesmente mover-se ao som da música, os comportamentos sincronizados podem facilitar a coesão social e/ou o bem-estar ao longo da vida, o que se estende também a crianças muito pequenas e idosos. Finalmente, os músicos profissionais são qualitativamente distintos dos indivíduos com formação musical que atuam profissionalmente noutras áreas, como professores, enfermeiros, advogados, contabilistas, entre outros. Os músicos profissionais têm competências musicais particularmente boas e personalidades distintas, de modo que tendem a ser extrovertidos e abertos a novas experiências; no entanto no que diz respeito à capacidade cognitiva geral, estes indivíduos encontram-se dentro da média geral.
powered by eventQualia